I
- Quando volta pra cá?
- No domingo, Ross, a noite estou chegando. Preciso tanto
falar com você!
- Aconteceu alguma coisa, Ally?
- Nada de errado...pode ir pra casa?
- Claro, me liga assim que chegar e nos vemos. Filme?
- Sim, eu levo. Saudades, até lá. Beijo
- Saudade também, beijo. E Ross desligou.
Já estava há dois anos fora e ainda não havia me acostumado
com as despedidas. Também era estranho o fato de parecer visita na minha
própria casa e de chamar de “minha casa” algo que dividia com mais algumas
pessoas. Cheguei por volta das 22 horas na cidade a qual estudava morrendo de
saudade de Ross e com um aperto no peito. Sempre que conversávamos sobre
mudanças era complicado. Liguei como combinado, ele veio, vimos um filme e
recusei a deixá-lo dormir comigo. Dei a notícia que voltaria terminar meus
estudos na minha cidade e o ar de despedida pairou sobre nós. Não dissemos nada
mais, ele foi embora, fiquei vendo ele caminhar cada vez mais distante, o cara
perfeito no momento mais conturbado(até então). Era ele ou meu sonho.
Tudo era quase simples. Voltar para minha cidade, que cá
entre nós não era um lugar muito atrativo, continuar meus estudos, trabalhar e
ter tempo para viver minha vida. Aí é que entra o quase simples!
Quem é tão distraída como eu, sabe que mudar a rotina é um
suicídio!! Me matei por longos três meses, readaptação não é tarefa fácil. Pelo
menos não com uma mãe exigente e com mania de organização. O bom nisso tudo é
que assim que voltei para minha cidade consegui um trabalho, menos de um mês
ali e empregada...adiós brigas diárias! Fazia meio período, entrava às 14 horas
e saía às 18:30 já embalando a ida para a universidade, da qual só chegava por
volta de meia noite e pouco. Outra coisa quase simples da minha recente
história de vida: campus novo, gente nova e minha incrível capacidade de ter
vergonha do mundo e, pelo menos de início, me mostrar quieta! Para felicidade
geral dos meus sentidos já conhecia algumas pessoas ali, me sentir confortável
era questão de tempo.
Trabalho encaminhado, estudos, faltava dar início ao que me
fez deixar uma vida de universitária longe dos pais, ordens e liberdade. Nesse
meio tempo muita gente entrou e poucos saíram, no balanço geral do ano em questão,
tudo bem e a vida seguiu. Em fevereiro do ano seguinte comecei um curso de
fotografia, meu tão esperado curso! Esperava tanto que, ao ver o professor me
desiludi. Aparentava ser bem mais novo e de fato, era.
- Como assim?! Dezessete. Impossível alguém de dezessete
anos ser tão capaz de me ensinar algo. Tenho vinte e um, quase uma anciã perto
dele. Vou mudar de curso e, droga!
Era só isso que me vinha à cabeça, na semana seguinte
acordei disposta a mudar de curso e ir procurar em outro lugar algo relacionado
a fotos, mas para mim o “SIMPLES” é quase e não foi bem por aí. A miss
desorganização aqui chegou hiper atrasada e desceu para a que seria a segunda
aula e como se não bastasse, todas as certezas que eu tinha foram por água
abaixo. Jhon aparentava a minha idade, mas parecia tão mais maduro. Falou de
seus objetivos, incentivou tudo que eu mais acreditava e me fez desistir de
cancelar o curso. Tenho certeza de que alguém, em algum lugar havia escrito
isso. Era muito peculiar, era muita coincidência, era muito. E no fundo já
sabia que dali viria algo bom, no mínimo. Em um dos dias, no fim de uma das
aulas, já tarde e morrendo de fome só conseguia pensar numa coisa: comida! E
conversando até a saída, decidimos comer algo. Conversamos tanto que a hora
passou voando, contamos nossos problemas amorosos um ao outro e eu já confiava
demais naquela pessoa admirável e engraçada. Ter Jhon em minha vida era rir
todos os finais de semana e desejar a aula durante a semana seguinte toda.
Alguns meses e éramos como amigos inseparáveis, começamos a sair juntos,
intercalando os grupos de amigos, mas sempre dávamos um jeito de sair pra se
divertir juntos. Seis meses pareceram anos, um ano pareceu décadas e nossos
projetos de trabalho juntos foram tomando forma, sonhos, sentimento.
Sem que eu percebesse ele foi ganhando espaço dentro do meu
peito. Era ele quem eu queria que me acompanhasse em festas, em sessões de
cinema, em noites de happy hour com Martini na calçada e até esse momento, para
mim era uma amizade incomparável, não havia explicação para tanta intimidade,
alegria e carinho. Éramos crianças em corpos de gente grande que conviviam como
irmãos. Tudo era festa, tudo era divertido e até os sessões de tapas brincando
eram confortáveis com ele, até as conversas mais sérias acabavam em risos. E pela
primeira vez eu via que tudo que era “quase simples” na minha vida se tornava “simples”
quando compartilhado com ele.
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